Há, efetivamente muitas situações em que é difícil separar com clareza esses conceitos e há muitos casos em que uma ação de indisciplina transita para um ato violento: por exemplo, quando dois alunos começam uma discussão durante uma aula e essa discussão desemboca numa briga em que estão envolvidas armas.
Também é muito importante reconhecer o sentido anti-ético e antipedagógico de certas ações dos próprios professores, como o desrespeito aos alunos, o absenteísmo sistemático, o descaso com a qualidade de suas aulas etc. Mas chamar todos esses comportamentos de VIOLÊNCIA (ainda que simbólica) tem gerado mais confusão do que soluções.
Uma forma simples de distingui-las é que atos de VIOLÊNCIA ferem o Código Penal (por exemplo: porte de armas, uso de drogas etc.); já atos de INDISCIPLINA dizem respeito apenas ao âmbito escolar, ferem o regimento escolar, os acordos (nem sempre bem explicitados) para o bom funcionamento do trabalho pedagógico ou as regras de boa convivência e civilidade.
O atual clima de medo e violência generalizados, que é reforçado pela mídia, tem levado muitos educadores a tratarem como casos de polícia situações que poderiam e deveriam ser resolvidas como questões educacionais, por isso considero importante distinguir esses dois conceitos. Isso ocorre não apenas no Brasil, como vimos recentemente na televisão, com a polícia norte-americana sendo chamada a uma escola para prender uma garotinha negra de apenas 5 ou 6 anos de idade, que estava agressiva e descontrolada. Há dois meses uma pesquisadora da USP presenciou a Guarda Municipal de São Paulo ser chamada para dentro de uma sala de aula do Ensino Médio de uma escola pública de periferia, para obrigar um aluno a tirar o boné!
Para compreender esses "recados" cifrados, devemos, em primeiro lugar, abandonar duas afirmações muito freqüentes.
A primeira é que a indisciplina é um fenômeno recente nas escolas ou, pelo menos, que aumentou de maneira surpreendente nos últimos anos. Não há nada que nos comprove isso, embora haja um aumento de sua visibilidade e possa ser verdadeiro um aumento da freqüência de atos indisciplinados. A indisciplina escolar é objeto de estudo de sociólogos, como o francês Emile Durkheim, pelo menos desde a passagem do século XIX para o XX. Se a escola exige uma certa disciplina, um tipo de comportamento regrado para que seus objetivos de aprendizagem e socialização se realizem, ela traz sempre consigo a indisciplina, a burla às regras estabelecidas. O que há hoje, com certeza, no Brasil é um aumento das falas e das preocupações com respeito à indisciplina e isso tanto por parte de educadores quanto dos próprios alunos.
A segunda afirmação que devemos abandonar é de que esse suposto aumento da indisciplina estaria ligado à ampliação das oportunidades de acesso à escola, que trouxe para dentro de seus muros um conjunto de alunos originados de famílias de camadas populares. Esses alunos trariam de casa um comportamento desregrado, anti-escolar, seriam mal-educados e indisciplinados. Essa idéia em geral vem acompanhada de um forte julgamento moral das famílias pobres - especialmente das mães - que seriam "famílias desestruturadas", incapazes de educar seus filhos adequadamente.
Nossos jovens vivem num mundo que lhes oferece bem poucas alternativas de realização pessoal e profissional e que os bombardeia o tempo todo com valores ligados ao individualismo, à ascensão social, ao consumismo, à competitividade.
Na escola em que pesquisamos, os professores participantes envolveram-se na elaboração de novas propostas pedagógicas para suas matérias, criando projetos e atividades interdisciplinares. E, por outro lado, exercitaram sua capacidade de ouvir os alunos e de ajudá-los a aprender a resolver conflitos de forma negociada e solidária. A mudança de atitude institucional mostrou-se tão importante quanto a recuperação material da escola, que era considerada feia, suja e mal equipada pelos alunos. Nada disso foi fácil, nem são conquistas definitivas, mas deram-nos a certeza de que é preciso parar de se queixar das famílias e da violência social e perceber quais são as relações estabelecidas dentro da própria escola e que tipo de ensino oferecemos a nossos alunos. Podemos reconquistar respeito e legitimidade por meio de um trabalho pedagógico sério e de relações democráticas. Isto é, comportamentos de INDISCIPLINA, muitas vezes, são recados de que os alunos não estão vendo sentido em nada e querem mais respeito às suas idéias, ao mesmo tempo que necessitam de regras mais claras e justas e de um ensino de qualidade que leve em consideração suas capacidades e suas vivências fora da escola.
Fonte: www.observatoriodainfancia.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário